1.6.16

mil mulheres na garganta


tenho agora cem
mais de cem
duzentas
mais
tenho mil
litros de
mulheres
cravadas na garganta
devem ser elas minha mãe
minhas tias, as primas, as avós
as bisas e as mães da bisa
as netas das tataravós
todas as minhas amigas
estão elas
todas elas
agarradas
à minha garganta
que querem?
sinto um gosto de sangue
seus gritos me ferem
tenho mais de cem silêncios feridos
seus silêncios me ferem
tenho mais de duzentos gritos inaudíveis
minha saliva é agora objeto cortante
falo?
faca?
tenho agora mais de cem unhas
cravadas nas amígdalas arranhando
o pouco de conforto que ainda me resta
sinto a força dos seus pés e braços
escalando meu pescoço
estão amontoadas
em guerra
querem alcançar minha boca
são mais de mil
e já sinto no ranger dos meus dentes
- lanço violentas mordidas no ar
a chegada bélica e faminta
de todas elas
que querem?
meu grito?
meu cantar?
minha garganta dói
e queima
vou cuspir fogo
vulcão
tenho agora milhares
de mulheres
na garganta
sou todas elas
e uma dor
que me fez escrever esse
poema.