10.9.12

A Balada do Vira-Mundo

... me solta, gente! Eu quero atravessar a fronteira.
...Quero ouvir saudades cantadas, choradas, suspiradas,
Molhadas de suor na segunda classe, onde emigrantes fazem mútuas
confidências.
Quero sentir o vento levantando meus cabelos
Quero encher os pulmões com o ar puro dos campos
Quero jogar o resto de tabaco do meu cachimbo nas ondas revoltas.
Quero sentir os olhos dos

que procuram devassar horizontes longínquos
na ilusão de verem lenços acenando.
- Olhos tristes que lembram noites de amor e geram poemas –
Me solta, gente! Eu quero atravessar a fronteira,
Para saber se o beijo de Anor, a que mora em Changai e bebe chá na taça
de Porcelana,
É mais doce que o de Dolores, a que morreu na Rua Madri, agitando o lenço
no ar, como se fosse uma serpente de sangue,
E mais selvagem que o de Wanda, a que uiva de amor, como loba ferida
nos gelos da estepe.
Me solta, gente! Eu quero ir a Sacha por este mundo a fora,
Quero ver ainda os olhos da Sara perdidos no cais, como duas estrelas negras.
Quero respirar fumaça naquela taberna escura de Manilha.
Quero comprar corais daquele marujo cor- de- bronze,
Para que eles pareçam, no colo alvo da minha pecadora,
Marcas sangrentas que meus dentes fizeram.
Me solta, gente! Aquela menina araucana, morena de olhos pretos está me dizendo que o mundo é muito grande,
Enquanto os Andes parecem pontos de admiração gigantescos de cabeça para baixo, com
pingos de condores, quase invisíveis, no alto, parados.
Me solta, gente! Eu quero atravessar a fronteira!
Me solta, gente! Os trilhos do trem de ferro estão escrevendo meu destino no dorso infinito da terra.
Me solta, gente! A brisa do mar está me chamando,
Me chamando,
Me chamando...
 
 Camillo de Jesus Lima