5.6.12

Lenda dos que vivem às margens

Era uma vez...
duas senhoras, Ardência e Estranheza, 
que viviam às margens de um Mar montanhoso.


Estranheza era esguia, parecia um coqueiro,
seus olhos pareciam dois sois de ouro.
Pisava, apesar da leveza, sôfrega
na areia.
Era filha de Nanã.


Ardência,
ah já Ardência era um não dizer.
Engraçado, que Ardência, depois de velha,
deu pra ficar muda. 
Carcará praieiro: só se fazia ouvir,
quando cantava e era porque chovia.
Cantava acalantos feitos para não ninar.
Vejam só: acalantos de acordar!


Certo dia,
Ardência cantava porque chovia,
enquanto Estranheza,
pesadíssima, morria
na areia maré alta.
E assim foi até Estranheza morrer lamaçada de areia
enquanto Ardência cantava.


Ardência chorou tanto porque morria Estranheza.


E não se sabe se de cega ou caduca,
confundiu suas lágrimas com chuva
e por vários dias
cantou acalantos ensurdecedores.
Tempestuosa cólera de Ardência
inundou o Mar e tapou suas montanhas.


O Mar, revolto, endoideceu.
Não se sabe se pelos cânticos ou por inundação,
mas endoideceu
tanto que fez tudo girar
e da areia, grão a grão, poeira estrelar,
fez renascer Estranheza, do mesmo jeito,
antiga e reluzente.


E Ardência
ah já Ardência é um não tempo.
Pois sabe endoidecer o Mar...
Um Mar montanhoso.