5.11.14

[Amor, mistério, liberdade]


Acreditei, um dia, que amar era dizer tudo, expor
tudo, estar permanentemente nu; como se isso fosse assim
fácil e possível. Até que nessa ânsia de nenhum mistério, o
amor esvaziou-se de mim, tornou-se uma palavra jogada a
todo canto como bandeira da qual se desinvestisse todos
seus laços só ficando pano, este pano, estas cores, esse
emblema sem qualquer idéia de pátria como lugar. Sim, como
lugar, um lugar sagrado, com L maiúsculo, que só se aprende
verdadeiramente quando se está dele exilado e impedida a
volta.
Nessa voragem de amor feito palavra sem mistério,
fiquei exilado dentro dele, o que é pior, pois desse exílio
não se se dá conta, ele envolve as idéias, os gestos, todo
o corpo, e o eu amo é qualquer coisa de todo alienada.
Esqueci,oh Deus, que o amor tem algo de aproximação
com a morte, e dizer amo-te, esse amo-te é todo contido
n’amor-te.
Esqueci, que isso eu sabia, de toda aflição, de todo
corte, de todo desejo sustentado na possibilidade de ter (e
perder), e esse ter, o que jamais se satisfaz, o que
sustenta todo amor e todo gesto.
Isso tudo, todo confuso, traz a morte para o real,
para essa indiferença cotidiana que no entanto se enfurece
se as grades cedem, e o pássaro, insistente e sem jeito
antevê sua velha árvore, sonha revoar e parte nesse sonho
reeditando a juventude. O amor, no entanto, quem o inventou
aliado a toda liberdade? Que engodo, que engano, que
equívoco o dessas palavras juntas, amor e liberdade, que
mentira, Deus dizer amor livre. O amor, quando o encontro –
se o encontro –, já de saída, me põe bêbado. É aí por onde
caio, e onde sei que já não escolho caminho, sou antes
escolhido por eles, assim como estes gestos, este tempo,
estes anseios. É ele, que por todo lado, me tem preso.

Valter A. Rodrigues