20.8.11

Dezembro, 1961.

...De ver o teu corpo num pano cigano e sentir o teu cheiro que mora nas abas do meu paletó.
De quando eu, todo platéia, vejo da cama quando tu vagarosamente te pintas com cores de quase luxo. Diante da mentira do espelho és Narciso e és Orfeu, toda emperequetada.
De quando abres as portas do armário e tira dele tuas armaduras de guerra:
- O azul ou o vermelho? Qual te faz mais gosto?
Bem, de certo que o azul era por demais decotado, mas o tom era doce e compadecia, já o vermelho... O vermelho como nós sabemos tinha mangas rendadas e compridas, mas a cor denunciava todo e qualquer pecado.
E ainda que toda noite me fizesses maquinalmente escolher entre os dois, surgias sempre da pequena cabina com o velho vermelho satânico e desbotado.
E assim passariam nossas noites. Tu, iludida, a me fazer de tolo, eu, o tolo que tu querias, pediria-te apenas os olhos de fúria emprestados, sim, Ana, os pequenos olhinhos de fúria, para que com eles eu fizesse toda sorte de gozo, para que com eles eu me ressarcisse na noite e no tempo de tua ausência.



De Vicente à Ana.


(Massumi)